sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Brasílias (porque não acredito que haja uma só) (04/06/09 ás 14:33:34)

Clarice Linspector, escreveu sobre almas que andam e outras paralíticas, algumas bailarinas, mas são todas almas. Escritora amante do Brasil, já que apesar do reconhecido talento, nunca chegou a ter os privilégios de uma esposa, mas também não sofreu as intempéries de ser.Clarice inspira esta escrita sensível que intenciona falar sobre ela, sobre suas impressões. O livro , Para não esquecer ,traz capítulos imersos nestas sensibilidades condicionadas a se tornarem parte da voz de uma geração.

Escolhi falar de um capitulo que me chamou muita atenção. Aquele que fala de Brasília. Sempre ouvi falar desta cidade, e apesar de hoje estar morando a apenas 03 horas de distância (ou 1/2, depende do motorista...), ainda não a conheço..Sinto que resisto, pois na oportunidade que tive, desci do carro, cumpri o compromisso e voltei para o carro, não olhei o céu, não vi os prédios, fechei os olhos para a arquitetura. Mas sou assim, se não for para fazer direito prefiro não fazer, e senti que Brasília merecia mais do que um rápido olhar...Merecia que eu demorasse por lá, e assim tirasse as minhas conclusões, não foi daquela vez, e ainda não sei quando será...


Mas Clarice, proporcionou uma descrição curiosa, sobre a cidade,principalmente quando lamenta ser esta uma localidade cheia de pudores, tais quais foram sentidos pela escritora, mas regados de sentimentos que parecem compartilhados por muitos, pelo menos quando pergunto sobre a capital escuto coisas como, ás que diz Clarice, por exemplo...:


“Brasília é artificial”- Com toda expectativa gerada com a sua elaboração, o local passou a ser alvo de várias críticas, não cabe aqui dizer se são justas ou não. Mas a analogia que Clarice faz de Brasília, artificial como o mundo assim que foi criado, mostra que tratamos de uma geografia jovem , de primeiras impressões romantizadas, como se o projeto de Niemeyer fosse o croqui da terra prometida. Bobagem ,as promessas, contam com o incerto, os contratos são bobagens, quem garante que o artigo X, da lei YZ estará em condições de ser cumprido quando necessário...O arquiteto conta com o incerto, ou como diz uma amiga : “Me afasto do projeto quando chega o primeiro porta retrato”. Brasília deixou de ser de Niemeyer, assim que a fita de inauguração foi cortada, ele não tem controle sobre ela.


Brasília é de um passado esplendoroso que já não existe mais”- Como toda crônica que se preze, esta também faz montagens e remontagens com o passado, liga-se ironicamente a outros autores e pretende explicar o que é ter um passado esplendoroso. Temos a ilusão de que o passado sempre traz histórias mais gloriosas do que aquelas que vivemos hoje, muitos autores já apresentaram sua opinião a respeito, talvez porque o que não vivemos parece sempre mais atraente, mas esta é uma afirmação subjetiva demais, para justificar a afirmativa em negrito.O correto então, seria colocar que a autora não vê em Brasília a glória que ela intenta ter, por toda a questão política envolvida e por ser lá o local onde os poderes encontram-se e questões cuja resolução depende o futuro de uma nação inteira.


Brasília não me deixa ficar cansada”, durante vários momentos do texto, a autora refere-se à cidade como sendo a cidade que nunca dorme, “a paisagem da insônia”, título que pode ser dado também a Nova Iorque, São Paulo e outras metrópoles, dominadas pelas grandes industrias e que necessitam funcionar todo o tempo para gerir seus lucros. Em Brasília não é diferente, para Clarice, a cidade tem uma claridade além do natural, como se o tempo estivesse sendo contado sempre pelo sol,para ela, não há lua, e quando há, ninguém parece preocupado em observá-la.


Entre tantos adjetivos atribuídos a cidade, em sua crônica, a autora sente falta dos substantivos, de algo que torne a cidade mais humana, digna de ser nomeada pelos artigos que anseia utilizar. Afinal todo escritor quer ter às palavras a sua disposição, e qualquer coisa (mesmo que não seja palpável), que os impeça de usar, parece vir com a intenção de tolher sua criatividade e isto é intolerável.Não seria diferente para a inquieta Clarice.Não é diferente para quem tenta de uma maneira amadora, escrever suas impressões (me incluo nessa...)


Brasília não tem cárie”- este trecho reflete uma Brasília que não aceita imperfeições, os detalhes de sua estrutura arquitetônica estendem-se aos moradores, que devem preocupar-se em manterem-se dignos de serem brasilienses ou brasiliários, como nomeia a autora em seu jogo de palavras, liderados pela licença poética que norteia sua descrição.


Quem é Brasília? Que para autora, ganha vida, como que se fosse possível prender seus habitantes em uma esfera invisível, como que se uma vez nascido na cidade, uma série de eventos fossem incorporados ao recém chegado, e este se tornasse a cidade.


Talvez por ser constante, ritmada, trazer em seus projetos, algo uníssono, prático, Brasília seja esta cidade cheia de adjetivos que reclama a autora. Cheia de palavras que querem descrever a cidade, seja de uma maneira positiva ou ressaltar aquilo que a difere negativamente das outras em que a autora viveu. É uma crônica muito pessoal , isto é inegável ,Clarice além de tudo é poeta, dramática, mas ao mesmo tempo fala de um lugar, onde aquele que visita tem estas impressões descritas na narrativa, estes sentimentos a respeito da bela estranheza que os muros brasilienses causam naquele que vem de fora.


Diferente de seus visitantes, que parecem suplicar por algum tipo de sensação,o local que Clarice descreve, parece não sentir, e o que sente não transparece naturalidade, isto fica claro quando a autora diz “Brasília tem árvores. Mas ainda não convencem.Parecem de plástico”, esta agressividade que afeta a autora, pressupõe todo um contexto e vivência,onde este novo lugar é um estranho para ela. Possivelmente se fossem convidados a ler sobre a Brasília que está posta no livro: Para não esquecer, muitos moradores da cidade encontrariam exageros e inverdades no que diz a autora,posto que para eles esta realidade já está incorporada ao seu dia a dia, não vêem as paisagens de cor cinza que o capítulo descreve.


Mas sabe o que penso, o estranhamento é sempre do estrangeiro, já fui estrangeira, falo com propriedade de causa, o nativo naturaliza as situações e aprende com elas, o estrangeiro passa por etapas de rebeldia no novo lugar, até conseguir chegar a aceitar a realidade. A não ser se já foi estrangeiro antes, tenho amigos cidadãos do mundo , que já moraram em mil lugares e se naturalizam quando o passaporte é carimbado, quando respiram o ar local dizem: Pronto sou daqui!


O que será mesmo Brasília?...Talvez uma cidade construída para ser modelo, para desfilar, encantar e desgostar, porque as opiniões dependem de cada individuo e não há controle sobre os sentimentos. Talvez seja esta a parte contraditória da cidade : nascida para ser reta, como sua arquitetura , mas não há como controlar os sentimentos turvos que inspira. Não há como controlar Brasília, diz Clarice.


Volto neste tópico quando tiver a oportunidade de enxergar Brasília sem os filtros dos meus autores favoritos, sem as impressões dos amigos..Tenho que ver Brasília por mim mesma...Será que tenho? O que há mesmo por lá? Parece que depois de tantos parágrafos ainda busco motivo...Preciso?


Mas me valho destas impressões em por enquanto...E no momento defino assim: Brasília é um ponto de interrogação,e não precisa ser nada mais do que isto, até agora...

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